SANTA CRUZ DE COIMBRA
O mosteiro de Santa Cruz de Coimbra foi fundado em 1131 pelo Arcediago D. Telo, D. João Peculiar e S. Teotónio (primeiro Prior do Mosteiro e primeiro Santo de Portugal) e outros religiosos, que adoptaram a regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. A instituição recebeu muitos privilégios papais e doações dos primeiros reis de Portugal, tornando-se a mais importante casa monástica do reino.
O primitivo edifício do mosteiro e igreja de Santa Cruz foi erguido entre 1132 e 1223, com projecto de mestre Roberto, conceituado artista do estilo românico.
A sua escola foi uma das melhores instituições de ensino do Portugal medieval, notabilizando-se por sua vasta biblioteca (hoje na Biblioteca Pública Municipal do Porto) e seu activo "scriptorium". À época de D. Afonso Henriques, esse "scriptorium" foi utilizado como instrumento de consolidação do poder real.
Ainda na Idade Média, o mais famoso estudante de Santa Cruz foi Fernando Martins de Bulhões, o futuro Santo António de Lisboa (ou Santo António de Pádua). Em 1220, o religioso aí assistiu à chegada dos restos mortais de cinco frades franciscanos martirizados em Marrocos (os Mártires de Marrocos), tendo então decidido fazer-se missionário e partir de Portugal.
A partir de 1507, o rei Manuel I de Portugal ordenou uma extensa reforma, reconstruindo e redecorando o mosteiro e a sua igreja. Nessa época foram transladados os restos mortais de D. Afonso Henriques e de D. Sancho I dos seus primitivos sarcófagos para novos túmulos decorados em estilo manuelino.
Entre 1530 e 1577 funcionou uma oficina de tipografia no claustro. É possível que o poeta Luís de Camões tenha estudado em Santa Cruz, uma vez que um parente seu, D. Bento de Camões, foi prior do mosteiro à época, e que há evidências, em sua poesia, de uma estadia em Coimbra, santa.
Data do século XIX o arco triunfal.
Embora quase nada mais reste da fase românica do conjunto, a fachada da igreja era semelhante à da Sé Velha de Coimbra, com uma torre central avançada, dotada de um portal encimado por um janelão. Esses aspectos são perceptíveis ainda hoje, por trás da decoração posterior.
Com a campanha de D. Manuel I, entre 1507 e 1513 a fachada ganhou duas torres laterais com pináculos e uma platibanda decorativa. Mais tarde, entre 1522 e 1526, foi erguido o portal cenográfico manuelino, hoje infelizmente muito erodido, obra de Diogo de Castilho e do francês Nicolau de Chanterenne.
No interior do templo, a nave única e a capela-mor foram recobertas por uma abóbada manuelina de grande qualidade, em obras dirigidas por Diogo Boitaca e o coimbrão Marcos Pires. Cerca de 1530 foi adicionado sobre a entrada um coro-alto por Diogo de Castilho, sendo a parte escultórica de João de Ruão; nesse espaço foi instalado um magnífico cadeiral de madeira esculpida e dourada (ver: Cadeiral do Mosteiro de Santa Cruz). Este cadeiral é um dos raros da época manuelina ainda existentes no país e deve-se, em primeiro lugar, ao entalhador flamengo Machim, que o instalou na capela-mor (1513); a obra seria prosseguida por João Alemão (1518) e, mais tarde (1531), pelo escultor francês Francisco Lorete, que o ampliou e deslocou para o coro-alto. A nave contém ainda um belo púlpito renascentista, obra de Nicolau de Chanterenne, datado de 1521.
No século XVIII instalou-se um novo órgão, em estilo barroco, obra do espanhol Manuel Gomes Herrera (ou Gómez Herrera, autor do instrumento musical) e Francisco Lorete (caixa em madeira entalhada), e as paredes da nave receberam um grupo de azulejos brancos-azuis lisboetas que narram passagens bíblicas.
A partir de 1507, o rei Manuel I de Portugal ordenou realizações da arte tumular portuguesa. Chanterene realizou as esculturas jacentes representando os reis, enquanto outras esculturas e elementos decorativos são habitualmente atribuídos a um hipotético Mestre dos Túmulos Reais e outros possíveis ajudantes (Diogo Francisco, Pêro Anes, Diogo Fernandes, João Fernandes e outros). Ambos os túmulos estão decorados com muitas estátuas e elementos gótico-renascentistas, além dos símbolos de D. Manuel I, a esfera armilar e a cruz da Ordem de Cristo.
Na capela-mor encontram-se os túmulos dos dois primeiros reis de Portugal. Os túmulos originais encontravam-se no nártex da igreja, junto à torre central da fachada românica, mas D. Manuel I não achou condignas as antigas arcas tumulares e ordenou a realização de novas. Estas, concluídas por volta de 1520, são das mais belas.
A sacristia da igreja é um exemplar típico do estilo maneirista, construída entre 1622 a 1624 por Pedro Nunes Tinoco. A sacristia está decorada com azulejos seiscentistas e possui quadros notáveis de dois dos melhores pintores quinhentistas portugueses: Grão Vasco e Cristóvão de Figueiredo.
A sala do capítulo, manuelina, construída por Diogo Boitaca entre 1507 e 1513, possui uma capela maneirista de São Teotónio, datada de cerca de 1588 e de autoria de Tomé Velho. Nessa capela encontram-se os restos do fundador do mosteiro, canonizado já no século XII. Junto ao capítulo está o chamado "Claustro do Silêncio", obra de Marcos Pires construída entre 1517 e 1522, tendo abundante decoração manuelina. A fonte no centro é do século XVII.
Presentemente sem entrada pelo claustro o refeitório, com entrada pela actual Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes foi construído sob as ordens de Frei Brás de Braga por Diogo de Castilho. Nele se encontrava a Última Ceia do escultor Hodart, presentemente no Museu Nacional de Machado de Castro. Nas traseiras do mosteiro encontra-se o chamado Claustro da Manga, que fez parte do complexo, mas hoje encontra-se isolado. Desse claustro só se preservou a fonte renascentista no centro, que consiste de um pequeno templo central com um lanternim, assente sobre oito colunas conectado a quatro pequenas capelas de tipo guarita com espelhos d'água ao redor. O acesso ao templo central faz-se por quatro pequenas escadarias. Todo o conjunto, construído na década de 1530 pelo francês João de Ruão, é de grande valor simbólico e artístico, sendo considerada a primeira arquitectónica inteiramente renascentista feita em Portugal.
Características
1 Nave da igreja; 2 Capela-mor; 3 Túmulo de D. Afonso Henriques; 4 Túmulo de D. Sancho I; 5 Sacristia; 6 Capela do tesouro; 7 Lavabo; 8 Sala do Capítulo; 9 Capela de S. Teotónio; 10 Capela de Jesus; 11 Capela de S. Miguel; 12 Claustro; 13 Antigo refeitório; 14 Café Santa Cruz; 15 Câmara Municipal de Coimbra
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
VII CENTENÁRIO
A 12 de Novembro de 1288, reunidos em Montemor-o-Novo, o Abade do Mosteiro de Alcobaça, com os Priores de Santa Cruz de Coimbra, S. Vicente de Fora de Lisboa, de Santa Maria de Oliveira de Guimarães e mais vinte outros eclesiásticos titulares dos mais importantes santuários que, na Idade Média, se espalhavam por todo o território nacional, de Mogadouro a Loulé, pediam ao Papa que confirmasse a existência do Estudo Geral então criado em Lisboa, ex privilégio, por decisão do Rei D. Dinis.
Davam assim expressão (e apoio financeiro) a uma verdadeira vontade nacional, nascida de uma consciência cultural adulta e desejosa de se afirmar através de uma instituição que habilitasse os Portugueses a usar a sua maioridade espiritual e intelectual na construção da sua própria sociedade.
Certamente devido às difíceis relações diplomáticas que então se verificavam entre o Monarca e a Cúria Romana, a resposta do Pontífice tardava e D. Dinis, por diploma datado de Leiria, a 1 de Março de 1290, não hesitava em anunciar solenemente a criação da Universidade, que se veria finalmente confirmada por Nicolau IV, com a bula De statu Regni Portugalliae, expedida de Orvieto, a 9 de Agosto daquele mesmo ano.
Invocando os graves conflitos surgidos entre os estudantes e os moradores de Lisboa, o Rei Fundador deliberou transferir, logo em 1308, a Universidade para Coimbra, decisão que não é caso único na história das Universidades europeias medievais. Volvidos 30 anos, D. Afonso IV determinaria o seu regresso a Lisboa, mudando-a, porém, novamente para Coimbra, em 1534. D. Fernando, em 1377, levou-a outra vez para a capital, e lá se manteria até à sua grande reforma determinada por D. João III, em 1537, ano em que se fixou definitivamente na cidade do Mondego.
Com esta reforma, de rasgada visão cultural, depois apoiada na criação do Colégio das Artes (1548), a Universidade de Coimbra, após um período de manifesta estagnação, podia competir com os grandes centros europeus de ensino superior, fecundados pelas poderosas correntes do Humanismo e do Renascimento. A orientação do ensino pelos cânones da Escolástica renovada que, numa primeira fase, havia de trazer à Universidade e ao Colégio das Artes que nela, , afinal, se integrava, uma indiscutível repercussão e fulgor, viria com o tempo a constituir um perigoso entrave à sua modernização, enquanto, por outro lado, as perturbações políticas sofridas pelo País, primeiro com a dominação espanhola e, depois, com a guerra da Restauração e suas consequências, não ajudaram em nada a estabilidade da instituição e a renovação que tal estabilidade sempre acarreta. Esta progressiva decadência só terminará quando, em 1772, o Marquês de Pombal proceder à grande reforma consignada nos Estatutos que ele próprio veio trazer a Coimbra e que, embora incompletamente aplicada pela acção do Reformador-Reitor D. Francisco de Lemos, conseguiu modernizar o ensino e promover a investigação científica, segundo as directivas do experimentalismo iluminista, bem patentes na diminuição do peso das ciências jurídicas (pela fusão das Faculdades de Cânones e Leis numa única de Leis e Direito), na criação da Faculdade de Filosofia (correspondente à moderna de Ciências), na profunda reforma do ensino da Matemática e na fundação de modernos Laboratórios, Museus e do Jardim Botânico.
Em 1911, logo após a implantação da República, nova e capital reforma se verificou. A Faculdade de Teologia, de tão rica tradição, extinguia-se, surgindo a de Letras, enquanto se apostava numa radical rejeição do passado e se estabelecia um esquema de organização universitária em moldes muito diferentes dos anteriormente vigentes. Embora profundamente alterada no seu espírito e apresentando concepções de base exigidas pelo andar do tempo e pelo progresso científico e pedagógico, a organização de 1911 iria manter-se, nas suas linhas gerais, até aos nossos dias, mesmo durante a vigência do regime político do Estado Novo. Dos últimos anos datam as Faculdades de Economia e de Psicologia e Ciências da Educação, enquanto a Faculdade de Ciências em que, com o advento da República, se transformara a antiga Faculdade de Filosofia, passava a contemplar também a componente tecnológica.
Aos longo dos séculos, por entre grandezas e sombras, a Universidade de Coimbra, nascida e desenvolvida à sombra da Igreja, embora dela progressivamente emancipada, pôde forjar um espírito próprio, com o qual acompanhou as grandes etapas da vida da colectividade portuguesa e projectando-se, como paradigma das suas virtudes e também dos seus defeitos, para além de Portugal, através das instituições suas congéneres nascidas a partir dos seus quadros e tomando por modelo a sua forma de organização estrutural, em especial no Brasil e em África.
Aliando um pendor de flagrante conservadorismo institucional com uma vigilante atenção perante os sinais de modernidade científica, ideológica, estética e até política, captados principalmente pela constante renovação dos seus corpos mais jovens, com referência especial aos estudantes (que foram capazes de criar formas de vida e de associação muito específicas), a Universidade de Coimbra soube transformar-se, em todas as épocas da sua existência secular, num factor de equilíbrio para o agregado nacional e numa força activamente dinamizadora da evolução histórica desse agregado.
Comemorar, no presente, o VII Centenário da sua fundação é, pois, comemorar a própria História de Portugal.
Aníbal Pinto de Castro
Professor da Faculdade de Letras
Director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Esculturas de Mestre Cabral Antunes
Medalha em bronze de 90 mm